“De 0 a 10, quanto está doendo?” – o médico pergunta a seu paciente, numa tentativa de quantificar uma sensação subjetiva, cujo maior conhecedor é o próprio paciente. Não cabe ao médico dizer quanto cada paciente deve sentir de dor, nem determinar a percepção individual da dor. Quem sabe de sua dor é o paciente.
Exatamente o mesmo se dá no consultório que trata das dores psíquicas. Ao ouvir um bocado de histórias, atender uma porção de gente, sofrer junto com muitas dessas pessoas, entendo que não cabe a absolutamente ninguém quantificar nem julgar a dor do outro. Assim como não há dor maior que a outra, também não há situações que obriguem determinada quantidade de dor.
É comum o sentimento de não se ter o direito de reclamar ou sofrer por algum motivo percebido (erroneamente) como frívolo. Acontece que não há sentimento frívolo. Claro que há situações e condições desiguais (e todas elas têm seu impacto emocional, de uma forma ou de outra), mas há também pessoas desiguais, com recursos internos desiguais, com possibilidades de enfrentamento desiguais. Indivíduos únicos, que lidam com as mazelas da vida de jeitos muito diferentes entre si.
Caetaneando, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Cada um conhece sua história de vida, cada um sabe as experiências que passou, cada um sabe as batalhas que teve que lutar. Faz parte do processo de autoconhecimento na terapia psicanalítica entender melhor como todas essas coisas impactam do jeito de sentir de cada um, entender porque algumas coisas doem tanto e outras tão pouco. E é através desse processo que a gente passa a se permitir sentir. Passa a entender que todo sentimento é válido, é justo, tem uma função e um lugar. Sem julgamentos de valor.
Todo mundo tem o direito de sentir dor. Não há dores mais doídas que outras, nem pessoas com mais ou menos direito de sofrer. No final do dia, como diria Lacan, “todos os sofrimentos humanos se equivalem”. Cabe a cada um sentir, entender e enfrentar a própria dor – até que deixe de doer.